sábado, 21 de janeiro de 2012


Primeiro dia de aula. O garoto não queria ir pra escola.  "Não, mamãe! Ninguém vai gostar de mim". Crianças podem ser cruéis, mas o garoto tinha medo de si mesmo. Sua mãe o abraçava e secava suas lágrimas doídas, incessantes. "Não tem como não gostarem de você, meu amor. É humanamente impossível." Mas o que são palavras? O que eram AQUELAS palavras, na verdade? Palavras de mãe desesperada querendo que o filho desça logo do carro pra evitar mais atrasos. Mesmo sendo palavras de mãe, não eram válidas. Não inteiramente.
         A mãe pegou sua mão, levou-o até a professora que aguardava no portão a chegada dos seus aluninhos mais que queridos, dos seus filhos não legítimos. Ela abaixou para recebê-lo. "Vamos com a tia. Vamos. Olha quantos amiguinhos ali dentro". O garoto hesitava. Estava menos resistente, porém. Mas o medo que sentia o fazia tremer. Ele tremia todo. Dos pés que mal sustentavam o corpo, à barriguinha e por fim, à ponta do seu nariz. Ele não entedia bem o porquê de tudo aquilo. Mas ele se sentia como um monstrinho. Um monstrinho que todos odiariam onde quer que ele fosse. Sua mãe aproveitou a deixa para se despedir com um beijo na bochecha e se foi de vez, correndo portão a fora.
A tia o guiou até a sala, onde outros amiguinhos esperavam ansiosamente pela primeira lição do ano. Ele se sentou enquanto a professora introduzia a aula. O garoto procurou pegar o caderno rapidamente pra evitar qualquer olhar pela sala. Prestou atenção na professora durante toda a aula. Não conversou com ninguém. Não olhou para ninguém. O seu medo dizia que ele não poderia se aproximar, não poderia fazer contato. Ele assustaria as pessoas. Portanto, obedeceu a seu tremor e se focou no quadro negro e em seu caderno e lápis.
O sinal tocou. Era a hora do recreio. As crianças corriam para o pátio enquanto o garoto assistia à movimentação tentado a fazer o mesmo, porém contido por pensamentos que o tomavam desde quando conseguia lembrar. "Você não vem?". Uma monstrinha de olhos pretos tocava seu ombro, interrompendo todos os devaneios da mente de uma criança. Ele tremia. E tremia. E tremia mais ainda. Tímido, ele respondeu: "E para onde você- para onde eu- pro pátio?". Ela puxou sua mão. "Vem, eu vou me esconder, você me procura, tá?" E ela já tinha ido. E ela se escondeu. E ele a procurava. Ela que o arrancara de seja-lá-onde-for. Ela que o fizera correr pelo pátio cheio. Cheio de gente que poderia não gostar dele. Ele que não teve medo. Ele que queria encontrá-la. E que assim o fez. Puxou-a de trás da pilastra e eles riram. Riram muito.
"Mamãe, ela é minha melhor amiga!!!!", ele dizia voltando da escola. Sua mãe carregava um sorriso de vitória. Não teria mais dificuldade alguma em deixá-lo na escola. O monstrinho não se sentia tão monstrinho mais. E falava de sua monstrinha a cada novo dia de aula. Eles eram mesmo melhores amigos. Ela o fazia tremer de um jeito bom. Não do jeito que o medo dele o fazia tremer, mas de um jeito bom. 
Eles seguiam juntos. Ao longo do ensino fundamental, no ensino médio. Eles seguiam sempre juntos. Ele a amava. Ela o amava também. Mas inexplicavelmente, aquele medo de muitos anos atrás surgia toda vez que eles se afastavam, toda vez que não se falavam, toda vez que ela parecia distante. E ele tremia de novo. E ela. Por mais que ela quisesse, por mais que ela dissesse, ela não alcançava esse medo. Ela não conseguia parar com essa tremedeira louca. E ela sofria junto com ele.
O medo o tomou. O medo o afastou de sua monstrinha, o afastou de si mesmo. O medo o afastou da vida. O medo não o deixou ver que o monstrinho que ele via era fruto da sua imaginação de criança. E o medo, acima de tudo, não permitiu que ele se visse e se amasse e se acreditasse. O medo não o deixou que se deixasse amar. E tudo que ele amou se foi pela incerteza que tinha de si, pela insegurança que carregava em cada passo seu. Pelo medo de não ser mesmo tendo evidências de que era. Pelo medo.

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